quinta-feira, abril 13, 2006

As pesquisas em marketing e a empresa coolhunting





Um certo enfoque sociológico da publicidade compreende o marketing como um produto direto da propaganda. Segundo Lagneau, o marketing – “palavra de origem inglesa que designa a tendência das práticas comerciais a racionalizar-se em função do mercado” – teria se originado da necessidade de se compreender, via pesquisas, que tipo de imagem melhor seduziria o consumidor. Trata-se de uma referência histórica que remonta à década de 1930; portanto, ainda ao período no qual procurava-se atrelar imagens a um produto já fabricado para a venda, e onde o objetivo principal era apresentar o próprio produto. O produto era, portanto, a fonte mesma da imagem, e os meios de veiculação eram fundamentalmente impressos: jornais e cartazes.
A partir das décadas de 1950/60, começa a se dar um processo de substituição do produto pela imagem na sua comunicação, não apenas porque havia uma necessidade objetiva das empresas se diferenciarem (com a explosão de produtos em massa cada vez mais homogêneos), como
também devido ao surgimento da televisão que possibilitava a produção de imagens comerciais antes inimagináveis (um “vendedor eletrônico” na sala de visitas da família).
É nesse mesmo período que surgem as pesquisas de motivação (no sentido estrito de procurar o motivo, a razão profunda, pela qual as pessoas consomem, para além da necessidade do produto) para subsidiar uma estratégia de propaganda destinada a vender “não o bife, mas o chiado; não
o sabonete, mas o sonho de beleza; não as latas de sopa, mas a felicidade familiar”. Uma estratégia que teria partido de um reconhecimento das empresas de que “o triunfo do mercado de massa se baseava, de algum modo bastante profundo, na satisfação das necessidades tanto espirituais quanto materiais dos consumidores...” Hobsbawm.
Tratava-se, enfim, de se produzir imagens que, não necessariamente, tivessem relação com o produto, começando um processo de “descolamento da imagem do produto” que culminou, nos anos 1990, na forma de propaganda nonsense, ou seja, aparentemente (e apenas na
aparência) uma propaganda não interessada em falar/apresentar o produto e não querendo mais fazer sentido.
Praticamente, a segunda metade do século XX foi marcada, na comunicação comercial, pelo período áureo das agências de propaganda, responsáveis pela criação de anúncios fundados na idéia de transmitir, mais que o produto, imagens. Mas, a partir da década de 1990, começava uma “transformação silenciosa” na comunicação mercadológica que só agora está mais evidente: o impacto das inovações tecnológicas que, de um lado, passou a provocar uma grande dúvida sobre a eficácia da propaganda (não só devido ao surgimento do controle remoto, o que tornava o consumidor/telespectador menos vulnerável ao assédio do anúncio, como também por conta do desafio apresentado pela produção de imagens cada vez mais indiferenciadas, como outrora foram os produtos); e, de outro, levou a mudanças no padrão de competitividade (a chamada “aceleração da aceleração capitalista” e a necessidade de uma constante “fuga para a frente”
no sentido da busca da inovação) que forçaram as empresas a tentar se antecipar às tendências na busca de alguma vantagem competitiva ao saírem na frente no lançamento de algum produto ou serviço. Tais mudanças podem ser tomadas como tendo forte influência na maneira como se formataram as pesquisas de mercado de tendências culturais a partir da década de 1990. Na verdade, essa forma de pesquisa “de tendências” surgiu desde os anos 1970 a partir de uma constatação do mercado: “às profundas transformações que passam a ocorrer, a partir do
final dos anos 1960, grosso modo, nos países capitalistas avançados... liga-se a consciência crescente, no âmbito dos estudos de mercado, da importância das chamadas variáveis sociais e, particularmente, das socioculturais , para a determinação dos estilos de vida e padrões de consumo dos agentes sociais”, Goldenstein.
Assumindo que essas variáveis socioculturais são capazes de permitir o nascimento de novos mercados ou, pelo contrário, de levar velhos mercados ao colapso, as grandes empresas passaram a privilegiar o uso de estudos de tendências no planejamento estratégico de seus negócios. Mas, enquanto nos anos 1970 ainda se podia pensar em mercados de massa, os anos 1990 se vêem com o desafio da segmentação. Assim é que esse novo desafio provoca o nascimento das “c o o l h u n t i n g”, empresas “caçadoras do c o o l”, daquilo que pode ser gerador de tendências de consumo. O que essas empresas buscam é fazer uma mediação ainda mais direta entre uma forma de expressão cultural – especialmente da cultura jovem – e uma prática de consumo. Em outras palavras, transformar cultura em mercadoria.


Isleide A. Fontenele
Doutora em Sociologia pela USP, com pós-doutorado em Psicologia Social pela PUC-SP/Fapesp

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