sexta-feira, fevereiro 22, 2008

A estratégia do Oceano azul


Por W. Chan Kim e Renée Mauborgne


Atuar em setores congestionados não é a saída para sustentar um alto desempenho. A verdadeira oportunidade está em criar oceanos azuis de espaço de mercado não disputado.



Guy Laliberté já ganhou a vida tocando sanfona, se equilibrando em pernas de pau e engolindo fogo. Hoje, é presidente de um dos maiores artigos culturais de exportação do Canadá, o Cirque du Soleil. Fundado em 1984 por um grupo de artistas de rua, o Cirque já apresentou dezenas de espetáculos a cerca de 40 milhões de pessoas em 90 cidades do mundo todo. Em 20 anos, faturou o mesmo que o maior circo do mundo — Ringling Bros. and Barnum & Bailey — levou mais de um século para ganhar.

O rápido crescimento do Cirque ocorreu num cenário improvável, já que a atividade circense vinha (e continua) em declínio há anos. Formas alternativas de entretenimento — eventos esportivos, TV e videogame — eram uma ameaça cada vez maior. Principal público do ramo, a criançada preferia o PlayStation a números de circo.

Crescia também a rejeição, alimentada por militantes de defesa dos direitos dos animais, ao uso de bichos, em geral uma parte essencial do espetáculo. Do lado da oferta, os astros dos quais o Ringling e outros circos dependiam para atrair o público em geral tinham poder para definir seus próprios termos. Diante disso, o setor foi atingido por platéias cada vez menores e por custos maiores. Para piorar, um novo nome estaria competindo com um líder formidável que ditara o padrão do setor pela maior parte do século 20.

Qual o segredo do Cirque para multiplicar sua receita por 22 nos últimos dez anos — e de forma rentável — num ambiente tão inóspito? O lema de uma de suas primeiras produções é revelador: “A reinvenção do circo”.

O Cirque não ganhou dinheiro competindo dentro dos limites do setor ou roubando público do Ringling e de outros — mas criando um espaço não disputado no mercado, o que tornou a concorrência irrelevante. Atraiu todo um novo público que não era o freqüentador tradicional do circo: adultos e clientes corporativos que haviam rumado para o teatro, a ópera ou o balé e estavam dispostos a pagar muito mais do que o preço normal de uma noite no circo para uma experiência de entretenimento sem precedentes.

Para entender a natureza da proeza do Cirque, é preciso saber que o universo dos negócios é formado de dois tipos distintos de espaço: um é o oceano vermelho, o outro o oceano azul. O oceano vermelho representa setores hoje existentes — ou seja, o mercado conhecido.

Nele, as fronteiras de um setor já foram definidas e aceitas e as regras do jogo já estão assimiladas. Nele, uma empresa tenta se sair melhor do que as rivais para conquistar uma fatia maior da demanda existente. Conforme o espaço fica mais e mais lotado, as perspectivas de lucro e crescimento diminuem. Produtos são comoditizados e a concorrência cada vez maior tinge a água de sangue.

Já o oceano azul representa todo setor que ainda não nasceu — o espaço de mercado desconhecido, ainda não maculado pela concorrência. Nele, a demanda é criada e não disputada. Nele, há ampla oportunidade de crescimento, que é rentável e rápido. Há dois modos de criar oceanos azuis. Aqui e ali, uma empresa pode dar origem a todo um novo setor, como fez a eBay com a indústria de leilões online.

Mas, na maioria dos casos, um oceano azul é criado a partir de um vermelho quando uma empresa altera as fronteiras de um setor existente. Como ficará evidente mais adiante, foi o que o Cirque fez. Ao romper a fronteira que por tradição separava o circo do teatro, a empresa criou um novo e rentável oceano azul a partir do oceano vermelho da indústria circense.

O Cirque é apenas uma de mais de 150 criações de oceano azul que examinamos em mais de 30 setores usando dados que remontam a mais de 100 anos. Analisamos empresas que criaram esses espaços e suas rivais de menor êxito, encalhadas em oceanos vermelhos. Do exame de tais dados detectamos um padrão reiterado de raciocínio estratégico por trás da abertura de novos mercados e setores, o que denominamos estratégia do oceano azul.

A lógica subjacente a essa estratégia rompe com os modelos tradicionais voltados à disputa em espaços de mercado existentes. Com efeito, é possível dizer que a incapacidade de gestores de entender a diferença entre as estratégias de oceano vermelho e azul está por trás das dificuldades que muitas empresas sentem ao tentar superar a concorrência.

Neste artigo, apresentamos o conceito de estratégia do oceano azul e esboçamos suas principais características. Avaliamos as conseqüências de lucro e crescimento do oceano azul e discutimos por que sua criação é um imperativo crescente para empresas no futuro. A nosso ver, entender a estratégia do oceano azul vai ajudar a empresa hoje na luta pela prosperidade num universo de negócios em expansão e aceleração.




W. Chan Kim é titular da cátedra Boston Consulting Group Bruce D. Henderson Chair Professor of Strategy and International Management no Insead, em Fontainebleau, França. Renée Mauborgne é Distinguished Fellow do Insead e professora de estratégia e administração na instituição. Este artigo foi adaptado de um livro da dupla, Blue Ocean Strategy: How to Create Uncontested Market Space and Make the Competition Irrelevant, daHarvard Business School Press.


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