quarta-feira, junho 04, 2008

Quem foi Joseph Schumpeter, o teórico da "destruição criativa"?


O teórico da "destruição criativa", que foi um dos maiores economistas do século 20, não era estranho a rompimentos violentos em sua vida pessoal, conforme revela nova biografia

Robert Skidelsky



Joseph Alois Schumpeter (1883-1950) foi um dos maiores economistas do século 20. Ele é mais famoso por sua teoria da "destruição criativa" -que sustenta que o sistema capitalista progride por revolucionar constantemente sua estrutura econômica: novas firmas, novas tecnologias e novos produtos substituem constantemente os antigos. Como a inovação acontece aos trancos e barrancos, a economia capitalista está, de forma natural e saudável, sujeita a ciclos de crescimento e implosão.

O agente deste processo revolucionário é o empresário heróico: o proprietário individual do século 19 e as grandes empresas do século 20. A inovação precisa de recompensa, daí a economia dinâmica permitir enormes lucros ao inovador. O monopólio temporário é a forma de a natureza permitir que os inovadores ganhem com suas invenções. A desigualdade de curto prazo é o preço do progresso no longo prazo.

Junto com sua contribuição positiva, Schumpeter fez uma crítica persistente à economia convencional, cuja preocupação com problemas estáticos de alocação em mercados perfeitamente competitivos elimina a mudança e o papel do empresário. Mas as especulações de Schumpeter foram muito além, para a questão da durabilidade de uma civilização que vive continuamente destruindo o que criou -uma linha de pensamento que vinha desde Marx e seu Manifesto Comunista.

Talvez Schumpeter tenha mais a dizer sobre a natureza do capitalismo do que a nova safra de idealistas do mercado gerada pela globalização ou pelos apóstolos do século 20 da estabilização, como Keynes.

Ao menos, esse é o argumento de Thomas K. McCraw, em "Prophet of Innovation" (profeta da inovação), sua nova biografia do grande Schumpeter e das pessoas e locais importantes da vida dele. O tema da destruição criativa surge no cenário da migração da própria família de Schumpeter, da dissolução do império Austro-Húngaro, do descontentamento dos anos entre as guerras e de algumas circunstâncias trágicas de sua vida pessoal adulta.

A principal idéia de McCraw diz respeito ao efeito do impacto do capitalismo na ordem ainda muito feudal da Europa Central e Oriental sobre o pensamento de Schumpeter. Foi a velocidade da transformação e a extensão dos deslocamentos que se seguiram que o levaram a rejeitar os modelos de equilíbrio estático dos economistas britânicos, derivados de uma sociedade onde a mudança econômica era evolucionária, e as instituições, muito estáveis. Diferentemente de seu contemporâneo Keynes, Schumpeter sempre viu a economia do ponto de vista de um empresário inovador, não do tesouro ou do banco central.

Dois anos após sua graduação pela Universidade de Viena, Schumpeter publicou um livro de 600 páginas sobre o método econômico e, três anos depois, um volume mais fino, "The Theory of Economic Development" (A teoria do desenvolvimento econômico), que iniciou sua ascensão para o estrelato de um emprego de professor temporário em uma universidade provinciana austríaca.

"The Theory of Economic Development" é a primeira declaração de Schumpeter sobre o papel crucial que empresários têm ao romper com as estruturas antigas e criar novas e estimular novos desejos, e o papel do crédito bancário em financiar a inovação -temas que passou a perseguir pelo resto da sua vida.

O livro também estabeleceu o que se tornou a principal linha de sua defesa do capitalismo -que sua destrutividade era inseparável de sua criatividade. Schumpeter não era um total não-intervencionista como seus colegas da escola austríaca Ludwig Mises e Friedrich Hayek, mas decididamente falou contra a política de estabilização sistemática recomendada por Keynes, por medo que ia pôr fim ao progresso prematuramente.

Dois golpes devastadores em curta sucessão trouxeram um "estabelecimento tardio de... maturidade". Sua tentativa de fazer dinheiro como banqueiro fracassou em 1924, com o colapso de uma falsa fabricante de vidro, cujos empréstimos ele havia garantido. Uma ação legal adversa, apesar de exonerá-lo de más intenções, deixou-o com dívidas que levaram anos para ser pagas e mancharam sua reputação.

Enquanto isso, Schumpeter apaixonara-se desesperadamente por Annie Reisinger, 20 anos mais moça, bela filha do porteiro do prédio no qual ele crescera. Inventando uma educação de classe média para ela e ignorando o fato inconveniente de que ele já era casado, Schumpeter levou-a para o altar em novembro de 1925. Poucos meses depois, veio a morte de sua adorada mãe e, em agosto de 1926, da própria Annie, de parto.

Schumpeter nunca se recobrou totalmente dessa destruição dos sonhos de riqueza e felicidade pessoal. O resto de sua vida foi dedicado a ensinar, pensar e escrever. Ele assumiu uma vaga na cátedra em Bonn em 1925 e depois foi para Harvard em 1932, onde permaneceu até sua morte, em 1950. Nesse processo, conseguiu duas ajudantes dedicadas, Mia Stockel, que administrava sua agenda pessoal em Bonn, e Elizabeth Boody, com quem se casou em 1937. Em Harvard, tornou-se uma celebridade no campus, reunindo-se a cada tarde com seus seguidores em um café na Biblioteca Widener.

McCraw fornece relatos excelentes dos três grandes livros que Schumpeter escreveu em Harvard -"Business Cycles", "Capitalism, Socialism and Democracy" e seu excelente "História da Análise Econômica", publicado após sua morte, em 1954.

"Capitalism, Socialism and Democracy" foi um dos livros mais influentes do século 20. Ele transferiu a defesa do capitalismo com base de superioridade dos mercados sobre o planejamento central para a da superioridade do capitalismo sobre o socialismo como motor de progresso tecnológico, mas inseparável dos custos enormes em termos de rompimentos e desigualdades, e por causa disso, inerentemente frágil. A falha fatal do capitalismo é exatamente o que Marx percebeu no Manifesto Comunista: ele gera um interesse na inquietação social ao minar o governo tradicional sem ser capaz de criar uma classe dominante própria.

Diferentemente de Hayek, Schumpeter defende a viabilidade teórica do socialismo, mas argumenta que as condições para seu estabelecimento são tais que o tornam intoleravelmente opressivo. McCraw salienta com razão a ironia da forma como Schumpeter trata o socialismo -que levou alguns críticos a acreditarem que o estava defendendo- mas não percebe as implicações trágicas da tese: a civilização capitalista está mal fadada, mas sua alternativa, socialismo, é terrível.

Também me parece que ele subestima a enorme importância que a discussão de Schumpeter sobre a democracia teve no desenvolvimento da ciência política moderna, particularmente quando propõe que os políticos são empresários em votos e que a verdadeira função da democracia é escolher líderes, não políticas. O que Schumpeter estava argumentando era que a democracia elitista, ou oligarquia, poderia dar às sociedades as vantagens de ditadura e mais liberdade. Ele via o Reino Unido como epítome de tal sistema. Mas, em geral, duvidava da habilidade das democracias contemporâneas de exercitar o exigido auto-controle.

Schumpeter foi uma das mentes intrigantes do século 20, mas terá sido um grande economista? Diferentemente de Smith, Ricardo e Keynes, ele não criou uma teoria nova, não fundou nenhuma escola. Em Harvard, ele ensinou muitos alunos brilhantes, alguns dos quais vieram a receber o prêmio Nobel, mas que freqüentavam seus seminários mais para discutir do que para aprender. Ele certamente sabia "fazer" economia e de fato sua erudição na história da disciplina era incomparável, mas ele a via em grande parte de fora -ou seja, sociológica e historicamente.

Dada a magnitude das conquistas de Schumpeter fora da economia, este leitor continua com uma pergunta: a economia, como ensinada e praticada nos departamentos de economia das altas universidades e publicada nos principais revistas, tão diferente da forma que Schumpeter a compreendia, tem alguma coisa importante a nos dizer sobre as condições da vida política e econômica contemporâneas? Ou é, como o jogo de bolas de gude no romance de Herman Hesse "Magister Ludi", um tipo de xadrez intelectual jogado por uma elite de padres seculares?

*Robert Skidelsky é vice-editor da revista Prospect.

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